Buscando olhar para Francisco com o olhar de Santa Clara, vamos tentar colher a imagem de Francisco segundo a visão de Clara. Isso nos ajudará a compreender o relacionamento humano-espiritual entre esses dois santos e, principalmente, o que São Francisco significava para aquela que se considerava sua "plantinha".
A imagem mais forte de Francisco para Clara me parece ser a de Exemplo. Em São Francisco é encontrado por Clara um exemplo de como seguir a Jesus Cristo. Através do seu jeito de viver o Evangelho, Clara encontrou uma resposta para sua aspiração de vida. Isso é confirmado de uma forma clara no Testamento: "O Filho de Deus se fez caminho. E foi esse caminho que nosso Pai São Francisco ... nos mostrou e nos ensinou pela palavra e pelo exemplo”(27). Santa Clara começa a fazer penitência "conforme o ensinamento e o exemplo de São Francisco”(28). Esse exemplo foi dado pelo Senhor: "Pois o Senhor nos deu um exemplo, um modelo e um espelho, não apenas para os outros, mas também para nossas irmãs"(29). O Pai Celestial "gerou este rebanho em sua santa Igreja pela palavra e pelo exemplo do nosso Pai São Francisco ..."(30).
São Francisco é a testemunha de profissão religiosa de Santa Clara. Foi diante dele e de uma pequena fraternidade que Clara, diante do altar da Virgem Maria, prometeu observar o Evangelho. A promessa de observar a santa pobreza ao Senhor e a Francisco foi mais tarde confirmada pela Igreja. Mas, no início, Francisco foi a testemunha: "E para maior certeza, a fim de que mais tarde não nos desviássemos dela, tive a preocupação de adquirir por meio de privilégios do Papa Inocêncio, sob cujo pontificado começamos, e dos seus sucessores, a confirmação desta santa pobreza que prometemos na nossa profissão ao nosso pai”(31). Essa promessa feita a Deus e ao nosso Pai Francisco é recordada por Santa Clara e repetida em seus escritos muitíssimas vezes, principalmente no seu Testamento.
Santa Clara vê em Francisco alguém dado pelo Senhor como "fundador, plantador e auxílio no serviço de Cristo" (fundatorem, plantatorem et adiutorem). A presença de Francisco na vida de Clara, principalmente no início de sua conversão, foi muito significativa, humana e espiritualmente. A experiência da ruptura com a família, o jogar-se na insegurança fora dos muros da cidade de Assis, a insegurança fora dos muros do castelo, na vida de pobreza e trabalho, essa experiência foi muito dura para Clara. O único apoio foi o de Francisco e seus irmãos que a acolheram. Clara encontrou alguém que já tinha passado por essa experiência e, por isso, com todas as condições de ajudá-la. Santa Clara vê em Francisco o "apoio depois de Deus, nossa única consolação e refúgio". Durante a sua vida, Francisco acompanhou a comunidade de Clara com exortações escritas e orais. O que permaneceu desses escritos foram apenas a Forma de vida e a Última vontade. Como esse auxílio de Francisco no serviço a Cristo representou para Clara um auxílio na perseverança daquilo que prometeu ao Senhor, recomenda as irmãs "presentes e futuras aos cuidados do sucessor do Pai Francisco e de toda a Ordem”(32). Aqui Santa Clara olha para o futuro e quer que se perpetue, assim como ela experimentou, esse relacionamento de ajuda entre as duas Ordens. No capítulo VI da Regra, Santa Clara recorda a promessa feita por São Francisco de nutrir sempre o mesmo diligente cuidado para com elas como o teve para com seus irmãos e quis que seus irmãos fizessem o mesmo. Santa Clara entende que a sua fraternidade deve caminhar junto com a de Francisco e espera a continuidade de sua presença através da presença dos irmãos de Francisco.
Para Clara, Francisco é alguém que vibra e se alegra com a firmeza e decisão com que ela e as outras irmãs abraçaram o ideal evangélico de vida: "Francisco então ficou cheio de alegria no Senhor quando percebeu que nós, embora corporalmente fracas e sem força, não receávamos a pobreza, o trabalho, a tribulação ... segundo o exemplo dos santos e dos irmãos de Francisco, como ele mesmo e os seus irmãos experimentaram”(33). Aqui, Clara está colocando a sua fraternidade em relação de igualdade com a fraternidade de Francisco. Clara revela que elas experimentam as mesmas exigências evangélicas que São Francisco e seus irmãos experimentam. Não é uma situação de inferioridade. E isso além de se colocarem numa situação de "corporalmente fracas e sem força". Volta novamente a questão da identidade comum das duas fraternidades no Evangelho. E Clara continua depois dizendo: "Movido de amor para conosco, aceitou para si e para sua Ordem a obrigação de ter sempre de nós o mesmo cuidado e atenção especial como de seus próprios irmãos". A preocupação de Clara é a de não se afastar do ideal do Evangelho. Por isso, insiste em não ser abandonada pela fraternidade daquele, através de quem as duas Ordens tiveram início.
Frei Inácio Dellazari, OFM
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