Santa Clara, no início de sua Regra, atribui a fundação da Ordem das pobres Irmãs a São Francisco: "A forma de vida da Ordem que o bem-aventurado Francisco fundou (instituit) ...”(22). Logo em seguida promete "obediência e reverência ao senhor Papa Inocêncio" e declara que "no início de sua vida prometeu obediência, juntamente com suas irmãs, ao bem-aventurado Francisco, assim também promete obedecer firmemente aos seus sucessores". São muitas as vezes em que Clara revela essa ligação com Francisco por uma promessa de obediência (23). São Francisco, por sua vez, promete zelar pela vida das irmãs que escolheram viver conforme a perfeição do Evangelho. Parece claro que não se trata daquela obediência à qual Francisco se refere na RNB XII, onde São Francisco proíbe que alguma mulher seja recebida por algum irmão à obediência. Santa Clara não foi admitida, naquela noite de Domingo de Ramos, à fraternidade de Francisco. São Francisco, inclusive, ajudou a providenciar um lugar onde Clara pudesse ficar. Mas o que chama a atenção é que Clara "promete obediência somente a Francisco, ignorando qualquer outra hierarquia de qualquer espécie"(24). Que tipo de relacionamento se estabelece entre São Francisco e Santa Clara? Como entender a insistência de Clara em prometer obediência a Francisco e a obrigação das irmãs em obedecerem ao sucessor de Francisco?
Que Santa Clara não se considera fundadora, não pensa o Papa Alexandre IV. Na bula de canonização de Santa Clara, Alexandre IV não proclama São Francisco o fundador, mas a própria Clara como o "primeiro estável fundamento dessa grande Ordem" e como a "pedra angular desse sublime edifício". São Francisco, na mesma bula, é aquele que teve uma presença marcante no início da conversão de Clara: "Ouvindo da sua boa fama, começou logo a exortá-la, induzindo-a a servir a Cristo com toda a perfeição". Santa Clara responde como aquela que "prontamente atendeu a seus santos conselhos”(25). Clara atende a Francisco, fazendo aquilo que também os frades deviam fazer: "Distribuiu os bens que possuía aos pobres", para colocar-se no caminho de Jesus Cristo.
São Francisco, na bula de canonização de Santa Clara, é aquele que ajuda Santa Clara a chegar até São Damião, onde começou a "insigne e sagrada Ordem de São Damião". A mesma bula deixa entender que Santa Clara não queria encarregar-se do governo do convento e das irmãs, mas por insistência de São Francisco ela o aceitou: "E passados alguns anos, a própria bem-aventurada Clara, cedendo aos insistentes apelos de São Francisco, se encarregou do governo do convento e das irmãs" (26).
Na sua continuação, a bula põe toda a atenção somente em Clara, revelando os seus méritos: "Ela foi a árvore ... que, plantada no campo da Igreja, produziu o doce fruto do fervor", proporcionando "nova fonte de água viva para saciar as pessoas"; essa fonte "regou as sementeiras da vida religiosa"; "ela foi porta-estandarte dos pobres, guia dos humildes, mestra dos mortificados e abadessa dos penitentes"; "sua vida era uma doutrina e ensino para os demais, que no livro de sua conduta aprenderam a regra de vida".
A figura de Clara que emerge da Bula de canonização, que representa o reconhecimento da Igreja, é a de uma mulher que renova a vida evangélica na Igreja. Essa acontece mediante sua personalidade enérgica, corajosa e austera. Uma pessoa extremamente amável com as irmãs, mas muito austera consigo mesma.
Frei Inácio Dellazari, OFM
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