quinta-feira, 12 de agosto de 2010

DEPOIS QUE O ALTÍSSIMO PAI CELESTIAL, POR SUA MISERICORDIA E GRAÇA, SE DIGNOU ILUMINAR MEU CORAÇÃO, COMECEI A VIVER A PENITÊNCIA...(Part. 2)

Embora Clara se considere e insista em proclamar-se "plantinha de São Francisco", ela reconhece na sua vocação a iniciativa de Deus. O começo, o início da mudança em sua vida deve-se à misericórdia do Altíssimo que se dignou iluminar o seu coração. A vocação, segundo Clara, não foi plantada por Francisco, mas pelo Pai Celestial. Clara, então, começa a viver em penitência por causa de uma semente semeada por Deus em sua vida.

A chegada das irmãs é compreendida por Clara da mesma forma: "Se alguém, por inspiração divina, vier ter conosco, querendo abraçar esta vida" (15); "e juntamente com as poucas irmãs que o Senhor me tinha dado ... "(l6). Não somente em si mesma Clara reconhece a iniciativa de Deus, mas também nas irmãs que "por inspiração divina" até ela chegam, dando início a uma nova fraternidade. Clara não atribui a si mesma a sua conversão, nem a das outras irmãs. Aí há uma perfeita sintonia com São Francisco que também não se apropriava daquilo que pertence ao Senhor. Vejamos isso em São Francisco.

São Francisco, no Testamento, no final de sua vida, descreve assim o início de sua vida de penitência: "Foi assim que o Senhor me concedeu a mim, Frei Francisco, iniciar uma vida de penitência: como estivesse em pecado, parecia-me amargo olhar para leprosos, mas o Senhor mesmo me conduziu entre eles e eu tive misericórdia para com eles. E ao afastar-me deles, o que antes me parecia amargo se me converteu em doçura da alma e do corpo. E depois de bem pouco tempo abandonei o mundo"(17).

São Francisco reconhece que foi o Senhor que lhe concedeu iniciar a vida de penitência. Tanto Francisco como Clara não atribuem a si próprios, nem um ao outro, o "início da vida de penitência", mas ao Senhor, ao Altíssimo.

Uma diferença entre São Francisco e Santa Clara aparece no segundo momento. São Francisco, quando se trata de mostrar como o Senhor concedeu o início dessa vida, coloca a figura do irmão leproso. A sua conversão, a mudança em sua vida é mediada pela presença do leproso. São Francisco separa em si mesmo dois tempos: aquele em que era amargo olhar para a figura do leproso e aquele em que olhar para o leproso se tornou doçura da alma e do corpo. O critério para verificar a sua conversão é a capacidade de olhar para a figura do irmão leproso. Santa Clara escreve que começou a "viver em penitência conforme o ensinamento e o exemplo de nosso Pai São Francisco, pouco depois de sua conversão". O Altíssimo Pai Celestial se dignou iluminar o coração de Clara mediante o ensinamento e exemplo de São Francisco. Pelos "ensinamentos e pela vida admirável (laudabilem)" de Francisco, Santa Clara experimentou a luz e a graça do Altíssimo Pai Celestial.

O Senhor concede a Francisco iniciar o processo de conversão mediante o encontro com o leproso; o Senhor concede a Santa Clara iniciar o processo de conversão mediante o encontro com o irmão Francisco. Tanto a conversão de Clara como a de Francisco passaram pela mediação do irmão. A graça do Senhor passa pela presença do irmão. Tanto Francisco como Clara fizeram esta profunda experiência de encontro com o Senhor. É a mesma inspiração, o mesmo Evangelho, o mesmo Senhor que concede. Fica mais claro ainda quando Clara escreve: "O Filho de Deus se fez para nós caminho. E foi este caminho que nosso Pai São Francisco, seu autêntico apaixonado e imitador (amator et imitator) nos mostrou e nos ensinou pela palavra e pelo exemplo" (18); como também: "Devemos, pois, queridas irmãs, contemplar os imensos benefícios que Deus nos concedeu, de modo especial aqueles que ele se dignou realizar em nós por seu dileto servo, nosso Pai São Francisco”(19). São Francisco é para Clara aquele que mostrou o caminho de Jesus Cristo, aquele, através do qual, Deus concedeu imensos benefícios.


Fr. Inácio Dellazari, OFM

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